A vida em sociedade, em comunidade, impõe a necessidade de regras para tutelar os direitos individuais e coletivos, a fim de resguardar a ordem social. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 3º, incisos I e II, nos traz que são objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, constituir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como garantir o desenvolvimento nacional.
Para tanto, existe a ordem jurídica, como preceito de garantia da sustentabilidade da vida em sociedade. Sobre a ordem jurídica, vale transcrever os ensinamentos de Sergio Cavaliere Filho[1]:
“O principal objetivo da ordem jurídica, afirmou o grande San Tiago Dantas, é proteger o lícito e reprimir o ilícito. Vale dizer: ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contraria (Programa de Direito Civil, v. I/341, Ed. Rio).
Para atingir este desiderato, a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza do direito a que correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa. Fala-se, até, em dever geral de não prejudicar ninguém, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere.”
Cavalieri, ainda explica “que alguns desses deveres atingem a todos indistintamente, como no caso dos direitos absolutos; outros, nos direitos relativos, atingem a pessoa ou pessoas determinadas.”[2]
Assim, para Cavalieri, o dever jurídico é a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social, e trata-se de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações.[3]
Havendo a violação de um dever jurídico, configura-se o ato ilícito, que na maioria das vezes causa danos a outrem, e a partir do dano, surge um novo dever jurídico de repará-lo.[4]
Nesta senda, adentramos na seara da responsabilidade civil, sendo imperiosa sua conceituação, se desincumbido de tal ônus com louvor, o Doutrinador Rui Stoco:
“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”[5]
Infere-se que o conceito de responsabilidade, antes de um conceito jurídico, nas palavras de Rui Stoco, revela-se como algo inarredável da natureza humana. Assim, conclui-se que todos os atos praticados que violarem um dever jurídico e causarem danos a terceiros são passíveis de reparação.
A responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico vem disciplinada pelo artigo 927 do Código Civil, o qual prevê: “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Por sua vez, o artigo 186 do CC reza: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Em continuação, o artigo 187 do Código Civil Brasileiro, prevê: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Da leitura em conjunto dos artigos supramencionados, extrai-se a fundamentação legal, bem como os elementos necessários para a aplicação da responsabilidade civil no direito pátrio. Neste diapasão, necessário realizar uma breve distinção entre as espécies de reponsabilidade civil: responsabilidade extracontratual e contratual.
No que tange à responsabilidade extracontratual, temos que esta surge pela violação de um dever jurídico sem que preexista uma relação jurídica entre as partes, ou seja, decorre de uma violação à uma obrigação imposta pelo preceito geral de direito, ou pela própria Lei.[6] Já na responsabilidade civil contratual, preexiste relação jurídica entre as partes, sendo que a violação decorre do inadimplemento contratual, ou seja, a transgressão de um dever gerado pelo negócio jurídico.[7]
Outra distinção necessária para a compreensão do instituto da responsabilidade civil recai sobre as modalidades da responsabilidade civil: objetiva e subjetiva. No que concerne à estas modalidades, a dicotomia se baseia essencialmente na necessidade de configuração da conduta culposa[8].
Realizadas as singelas considerações sobre o instituto da responsabilidade civil que nos importa para o deslinde do presente artigo, passar-se-á para a responsabilidade civil pós-contratual.
Conceituação da responsabilidade civil pós-contratual
Nos contratos que regem as relações humanas, a boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil, é pilar essencial presente em todas as fases do contrato, seja pré-contratual, durante o curso do contrato, e até mesmo após o termino do contrato.
Nesta seara, nos ensina Sergio Cavalieri Filho[9], que mesmo depois de findo o contrato, supondo que seu adimplemento tenha sido integral e satisfatório, persiste uma fase pós-contratual, durante a qual ainda estarão as partes vinculadas as deveres decorrentes do princípio da boa-fé.
É bem verdade que inexiste disposição legal expressa determinando a aplicação do princípio da boa-fé objetiva findo o contrato, todavia, isso não significa que este fique alijado das relações após o encerramento da relação contratual. É nesse sentido o entendimento de Nelson Nery Junior[10], veja-se: “em que pese o artigo 422 do Código Civil não traga expressamente a previsão de aplicação do princípio da boa-fé objetiva após o termino do contrato, a Doutrina e Jurisprudência se incumbiram em estender sua aplicação na fase pós-contratual.”
Portanto, temos que indiscutível no ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade civil das partes contratantes após o término do contrato ajustado, devendo sempre respeitarem os princípios da boa-fé objetiva e da probidade.
O princípio da boa-fé objetiva que lastreia a incidência da responsabilidade civil pós-contratual possui natureza jurídica de cláusula geral, ao mesmo passo em que se consubstancia em fonte de direitos e obrigações, ou seja, fonte jurígena assim como a lei e as outras fontes.[11]
No tocante ao conteúdo do princípio da boa-fé objetiva, valiosos e esclarecedores os ensinamentos de Nelson Nery Junior[12]: “a boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade”.
Findo o contrato celebrado entre as partes, persiste entre os contratantes o dever de probidade e lealdade, seja pela existência de cláusula acessória no contrato firmado, seja pela observância ao princípio geral da boa-fé objetiva.
José Afonso Dallegrave Neto[13] nos ensina que “o princípio da boa-fé objetiva excede o âmbito contratual, traduzindo-se no dever de agir com lealdade, lisura e consideração com o outro sujeito da relação. Isso pode ocorrer já no momento das tratativas ou mesmo após a rescisão do contrato. ”
Sendo descumpridos os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, caracterizar-se-á a violação de um dever jurídico, e na ocorrência de dano, o dever de indenizar.
Análise da responsabilidade civil pós-contratual no direito do trabalho
Não há óbice para a aplicação do instituto da responsabilidade civil pós-contratual no direito do trabalho, pois assim como os demais contratos que regem as relações jurídicas, o contrato de trabalho é pautado na boa-fé objetiva dos contratantes em todas as fases contratuais: pré-contratual, contratual e pós-contratual.
Segundo preconiza o Ministro Maurício Godinho Delgado, a matriz de origem do Direito do Trabalho é o Direito Civil, em especial, seu seguimento regulatório das obrigações.[14]
Delgado, ainda enfatiza que o Direito Civil é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, em situação de lacunas nas fontes principais desse ramo jurídico, conforme preconiza o artigo 8ª da CLT.[15]
A Jurisprudência se assenta na aplicação do princípio da boa-fé objetiva como fundamento da responsabilidade civil pós contratual no direito do trabalho. Vejamos julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.[16]:
“TRT-PR-18-09-2012 OBRIGAÇÕES PÓS-CONTRATUAIS. DEVER DE BOA-FÉ OBJETIVA. DANO MORAL. A relação contratual envolve obrigações e deveres, pautados na idéia de que a relação deve se desenvolver em uma ordem de cooperação, o que impõe às duas partes deveres de conduta, fundados em valores como confiança, colaboração, honestidade e legalidade. Os desvios, quando lesivos e danosos, autorizam a responsabilização civil da parte responsável. Mesmo depois de encerrado o contrato de trabalho, considerada a obrigação como um processo, remanescem deveres autônomos em relação à obrigação principal e que se explicam no dever de boa-fé objetiva. Significa exigir a abstenção de qualquer conduta que despoje ou reduza vantagens que a outra parte possa auferir do contrato findo ou que importe ofensa à confiança, colaboração, honestidade e lealdade à outra parte…”
Portanto, diante análise da Doutrina e Jurisprudência, bem como pela disposição legislativa do artigo 8º da CLT, possível concluir pela aplicabilidade das regras civilistas de responsabilidade civil no âmbito justrabalhista, mormente no tocante à responsabilidade pós-contratual.
AUTOR:
Dr. Marcos Vinícius Zancan Mobile
Advogado Sócio Bardal & Mobile
[1]CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. – 8ed. – São Paulo: Atlas, 2008 p. 1.
[2] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. – 8ed. – São Paulo: Atlas, 2008 p. 1.
[3]Ibid. p. 1.
[4] Ibid. p.2
[5] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Ed: Revista dos Tribunais, 2007. p. 114
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. – 8ed. – São Paulo: Atlas, 2008 p. 15
[7] Ibid. p. 15
[8] Ibid. p. 16
[9] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. – 8ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 286
[10] NERY JUNIOR, Neslon. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 640
[11] Ibid. p. 638
[12] Ibid. p 640
[13] DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Responsabilidade Civil Pré e Pós Contratual no Direito do Trabalho. Rev. TRT – 9ª R. Curitiba a. 29 n.53, p.53-70 Jul./ Dez. 2004
[14] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 75
[15] Ibid. p. 76
[16] TRT-PR-01190-2010-069-09-00-4-ACO-43019-2012 – 2A. TURMA Relator: MARLENE T. FUVERKI SUGUIMATSU Publicado no DEJT em 18-09-2012 – disponível em <http://www.trt9.jus.br/internet_base/jurisprudenciasel.do?evento=portlet&pIdPlc=jurisprudenciaselNav&acao=navega&pAcIniNavjurisprudenciaselNav=1#${item.linkEdicaoPlc}> – acesso em abril de 2015.